Coletânea Pontos de Fuga – Um Seminário Transdisciplinar
da Universidade Livre do Rio de Janeiro [1994, Parque Lage]
Taurus Editora, R.J., 1996
Ciro Moroni Barroso
[pág. 71] [revisto 1999]
Seções <1> e <2> ao final
< 3 >
Estas observações todas até agora se fizeram necessárias porque é sobre estas condições que se impõe um fato de grande significado, que há muito faz parte de nosso devir humano planetário, mas que somente agora começa a ingressar, aos tropeços, na historicidade.
Este fato é a descoberta de que a humanidade terrena, com seu histórico de escassos três mil anos, é parte de uma outra humanidade mais ampla, mais antiga, mais numerosa, que se estende por diversos mundos no Cosmos. Estamos falando aqui não de “alienígenas”, mas de seres sob a condição geral de humanos, o que portanto amplia nossos horizontes de história, cultura e civilização. A interação com representantes de algumas dessas civilizações, de modo ocasional ou sistemático, de uma forma ainda velada, quebra, de saída, alguns dos modelos científicos de nosso tempo... Razão pela qual ela tem sido tratada sempre de forma eufemística, recalcada, conjectural, amadorística, em nossos meios de comunicação. Termos exóticos como “humanóide”, “ufos”, “fenômeno-ufo”, e mesmo “extraterrestre”, são exemplos de nossa primitiva hesitação semiológica (é brutal a assimetria conceitual terrestre/extraterrestre do ponto de vista de uma humanidade cósmica). Paradigmas até agora irretocáveis estão sendo postos em cheque: a origem da vitalidade em termos biológicos; a origem do humano na evolução animal natural seletiva; a velocidade da luz como velocidade física máxima; e a identificação da materialidade que nós é fisicamente disponível como toda a física do universo (alguns visitantes mencionam outras camadas, ou estados energéticos, para a manifestação dos mundos físicos). [2]
Uma tal agressão à ciência normal, só poderia ter como efeito uma crise do paradigma, tal como observado por Thomas Khun, na qual “as anomalias não são tratadas como contra-exemplos do paradigma”. O paradigma normalizado não será comparado com os contra-exemplos, mas somente com um novo paradigma, este ainda não formulado. E esta crise, sem dúvida, ameaça todo o “comprometimento profissional” dos cientistas, seus papéis sociais, toda sua base epistêmica. (A Estrutura das Revoluções Científicas, págs. 31, 107/108) [3]
A crise científica latente, por sua vez, é condicionada por uma formidável tensão ao nível das super-estruturas políticas, com um processo de ruptura versus cerceamento que em nada fica a dever ao processo inquisitorial imposto pelo poder católico a Copérnico, Galileu e Bruno. Esta tensão cresce de maneira decisiva a partir de 1952, quando a Força Aérea norte-americana começa a relatar a presença numerosa de “discos-voadores” nos céus nacionais, recebendo em seguida um “cala-boca” da Agência Central de Inteligência, que impôs a partir daí o uso do eufemismo “UFO” (O Almirante Hillenkoeter, primeiro Diretor da
CIA de 1947 a 1950, dirigiu-se ao Congresso em 1960, junto com um grupo de oficiais da reserva dissidentes, para denunciar o fato). [4]
[2] Magocsi, Oscar. Minha Odisséia em Naves Extraterrenas, Ed. Freitas Bastos, R.J., 1993
[3] Ed. Perspectiva, S.P., 1987
[4] The New York Times, 28 de fevereiro de 1960
É incrível que, assim como em plena Renascença, o obscurantismo católico medievalesco tenha sido capaz de exercer seu poder de veto, atrasando um salto significativo em termos de Ciência, assim também em pleno século XX “moderno”, o interesse de dominação de uma claque obscurantista faça
repetir a cena. Desde o pós-guerra, grupos de elite norte-americanos, europeus e soviéticos dispõem de conhecimentos científicos e tecnológicos, muito além da imaginação do cidadão comum, capazes de fazer corar os autores de ficção científica, e de enrubescer de vergonha a própria comunidade científica, isto é, a maior parte dela que não foi cooptada no processo. Por esta razão, é preciso alertar estas partes, com o uso de uma linguagem apropriada.
Esses fatos, por mais extraordinários que possam parecer, não são inusitados: se modelos em Física e em Biologia são quebrados, exemplos em Antropologia e História retornam. Num processo anterior, os índios estão à beira da praia e as caravelas se aproximam, abrindo conflitos simbólicos e estruturais... Algumas estruturas terão colapso, contrastes etnológicos serão suscitados, centramentos e descentramentos, até que uma nova filosofia antropológica possa reinar, dando conta de outras escalas gulliverianas. [5]
O problema até agora é que este acontecimento não penetrou em nossa
superfície histórica, sendo apreciado apenas de formas “alternativas”, messiânicas, intempestivas, no vácuo oferecido pela pós-modernidade. Por um lado a ausência de estruturalidade; por outro, o anúncio, feito sempre pelas correntes de futurismo místico-esotérico em moda, de uma única e majestosa estrutura cósmica totalitária e estática.
[5] No sentido de novas séries de diferença e similaridade.
Em seu Viagens de Gulliver a Diversas Regiões Remotas do Mundo, 1726, o irlandês Jonathan Swift faz a fábula filosófico-satírica do descentramento antropológico europeu como resultado das navegações.
Para dar conta da temática que se segue neste artigo, o autor fez em Gulliver, 1992 (Ed. Record/Nova Era, R.J.,1999) uma reapropriação da fábula swifteana, em termos de um conteúdo aparentemente ficcional, que envolve um documentário histórico. A parte aparentemente ficcional tem assim um caráter de fábula, e não de variante de science-fiction, tal como foi sugerido em leituras apressadas
< 4 >
Hans Staden, ao retornar em 1555 de suas incríveis aventuras entre índios, portugueses e franceses no sudeste brasileiro, escreveu na conclusão de seu livro de viagens, editado em Marburgo, Hessia, 1557:
“... Posso bem imaginar que o conteúdo deste livrinho pareça a muitos fantástico. De quem a culpa? De resto, não sou o primeiro e nem serei o último que pode conhecer tais travessias, terras e povos.(...) ninguém admitirá que aqueles que arriscam a vida e enfrentam a morte sintam do
mesmo modo que aqueles que se conservam à margem, observando, ou aqueles que ouvem contar.(...) Mas tenho por verdadeiro que muitos honrados homens de Castela, Portugal, França, alguns também de Antuérpia, do Brabante, que estiveram na América, podem testemunhar que é assim como escrevo. Para aqueles porém, que não conhecem a terra estrangeira, me apóio nestes testemunhos, e principalmente em Deus.”
Antes que a Etnografia existisse, para fazer parte das disciplinas constituídas no Iluminismo e na Modernidade, existiram os Relatos de Viagem do Renascimento, que se constituíram no solo da perplexidade, do fabuloso, do épico. Ao serem apresentados publicamente, estes relatos
enfrentavam o problema da credibilidade do relatado e do relator. Assim foi com Marco Pólo, assim foi mesmo com Heródoto. As questões em torno da autenticidade, da veracidade, da verossimilhança, e da verificabilidade do relato, fazem parte assim do solo epistêmico inicial sobre o qual serão fundadas as disciplinas da História, da Etnografia, da Geografia.
Nesta fase era necessário garantir a idoneidade, até mesmo a filiação religiosa correta, do relator, pré-etnográfo. É assim que o Dr. Dryander, ao apresentar (Marburgo, 1556) o livrinho de Staden ao Príncipe Felipe, Landgrave da Hessia, Conde de Nassau e Saarbrücken, clama pela integridade moral e religiosa do viajante, acrescentando: “Não se deve pois concluir, pela circunstância de que a
grande massa tem por falsa as narrações desta sorte, que elas na verdade não possam ser exatas. Como não estaria mal a ciência astronômica se ela não pudesse fazer cálculos certos sobre todos estes corpos celestes e não pudesse prever com segurança o dia e a hora dos eclipses, isto é, das trevas do sol e da lua. (...) Ora, diz o povo, quem esteve no céu, para tudo ver e medir? A resposta só pode ser: a experiência cotidiana confirma as conclusões(...). Com a ajuda da ciência celeste, da astronomia, e da geometria, calcula-se mesmo a circunferência, redondeza, grandeza e extensão da Terra. Todas estas cousas o homem simples não conhece, assim como bem pouco nelas acredita. (...) Que, porém, gente prezada e muito instruída duvide ainda de tais fatos, cuja veracidade está provada, é tão vergonhoso quão lamentável, pois que o homem simples, guiando-se por eles, acha confirmação de seu erro e diz: Se isso fosse verdade, este ou aquele estudioso não teria contestado.”
A fase pré-etnográfica, assim, facilmente se resolve, na medida em que a América, a África, a Ásia, lá estão, expostas à empiria histórica. Com a multiplicação dos relatos no tempo, a comparação entre eles se torna uma nova disciplina de conhecimento. É assim que a ênfase na autenticidade, na positividade do relato, cede lugar à questão da interpretação dos relatos. Ou seja, é toda a nova cultura da inferência que se impõe. As etnografias podem então se afirmar e se tornar etnologias, na medida em que, com qualquer grau de falsificação ou veracidade dos relatos, um padrão de coerência, uma estruturalidade, podem ser descobertos em cada conjunto empírico.
< 5 >
Essas observações sobre o Renascimento, que podem parecer óbvias, não são óbvias, nem merecem atenção crítica no que diz respeito a nós mesmos, habitantes, incultos ou científicos, do mundo ocidental moderno. Isto é, quando são apresentados relatos de viagem a outros sistemas habitados entre as estrelas. O próprio termo “extraterrestre”, conforme já notado, não resiste à mínima epistemologia etnológica. O "nós", de nosso conjunto etnológico, ocupando a metade do conceito, enquanto “todos-os-outros” ficam com a outra metade... A vasta habitabilidade de outros sistemas estelares, não segundo leis biológicas, principalmente por humanos de nosso tipo, seria facilmente demonstrável em termos científicos a esta altura, se houvesse o interesse científico para tal conhecimento. O fato de que civilizações humanas ancestrais nos observam desde os albores de nossa história, fazendo pequenas contribuições aqui e acolá, é bastante bem documentado em vários níveis, e seria
igualmente de fácil demonstração. Principalmente o fato de que, durante o século XX, alguns destes grupos (Federação Galáctica como são conhecidos) se meteram decididamente em nossos negócios políticos e
militares, abrindo um certo processo de colaboração e co-evolução, o que, se faz retornar algumas questões de antropologia e humanismo, certamente não faz retornar nos mesmos termos de Iluminismo ou Modernidade.
Os cientistas, os intelectuais, os operadores da cultura pop, e o grande público mais ou menos inculto, entretanto, se acostumaram a aceitar estas informações em termos de perguntas pré-etnográficas do tipo "será verdade mesmo?", "Você já viu algum?", "Por que eles não descem logo?". A
questão do "descer logo" é respondida, através de intermediários pré-etnográficos ou plenamente etnográficos, da seguinte forma: "Se vocês terrenos estivessem preparados do ponto de vista coletivo, isto é, social e cultural, nós poderíamos descer logo, mas do jeito que as coisas estão, nossa descida pública ocasionaria um tremendo descontrole no mundo de vocês, o que seria um atravessamento ético. Enquanto isso – continuamos com nossas ações e influências discretas". É a mesma lógica de nosso civilizado ao contatar silvícolas, evitando desconstruir seus
pequenos mundos.
A questão que se coloca portanto – nos programas sensacionalistas de
televisão – do acreditar, "você acredita em... discos voadores, assombrações, duendes, ectoplasma, etc?", é estúpida e bizantina. A fase pré-etnográfica destes relatos já poderia certamente ter sido superada. Se fôssemos examinar a credibilidade de três fontes exemplares, a de George Adamski (California, anos 50), a de Elizabeth Klarer (África do Sul, anos 50) e a de Oscar Magocsi (Canada, anos 70), verificaríamos que nos três casos a idoneidade, a integridade biográfica, e a integridade dos relatos, foi constatada em cada caso por parte daqueles
pesquisadores civis (ou testemunhas) que se ocuparam deles diretamente. Os relatos destas três fontes, entretanto, dentro de uma política que é difícil de ser abordada num pequeno artigo, desagradaram o interesse de determinados setores de poder estratégico e inteligência internacional. [6] Esta é a razão para uma subsequente descaraterização, em graus diferentes, destas três fontes, artificialmente criada, e que foi infelizmente propalada por aqueles pesquisadores civis que não se ocuparam deles diretamente.
Num enredo terrível ainda a virar historicidade, o que seria factível se houvesse vontade política para tanto, George Adamski foi o que mais diretamente se envolveu com os conflitos de bastidores que atingem até nossos dias facções terrenas em contato com facções extraterrenas, sendo sua credibilidade pré-etnográfica por isso ainda mais dificultada. Adamski se tornou intermediário entre um grupo humano de extraterrenos
louros de média estatura e uma série de lideranças governamentais, entre eles John Kennedy, o Papa João XXIII, os Reis da Holanda, e algumas hierarquias do Pentágono. Os visitantes em questão, de início fizeram uma aparição ritualística no deserto do Arizona em 1952, que foi extremamente bem documentada e fotografada. (Depois quis-se dizer que Adamski tinha “mania” por fotos, quando estas se mostraram tecnicamente incontestáveis). As fotos e os depoimentos aparecem em Flying Saucers Have Landed. [7]
Em seguida, na medida em que sua semelhança conosco permitia, estes visitantes fizeram alguns trabalhos políticos de bastidores, o que está documentado de forma detalhada em George Adamski – The Untold Story, também cheio de fotos e testemunhos, livro este que está sintomaticamente fora de circulação na Inglaterra, apesar de seu grande interesse e qualidade. [8] [9] O esforço de Adamski foi derrotado por facções de inteligência internacional, na época em que a CIA era importante nisto, facções que, hoje em dia, se sabe terem feito acordos secretos para cessão de tecnologia com grupos extraterrenos que se opõem à política e à ética dos "federados".
Elizabeth Klarer teria, sozinha, credibilidade o suficiente para marcar a História. Seu processo de interação com um visitante de Alfa Centauri teve respaldo e acompanhamento da inteligência britânica nos anos 50, depois que, durante a Segunda Guerra, ela e seu esposo militar inglês haviam servido na Base Aérea De Havilland, próxima a Londres. Antes disso, ao voar com seu esposo na África do Sul, eles tinham sido seguidos por um disco-voador. Klarer era descendente de uma tradicional família aristocrática inglesa, com excelente padrão de cultura, sendo formada em Meteorologia por Cambridge, com formação musical, e sendo ainda habilitada como piloto de aeronaves. O acompanhamento do serviço secreto britânico se deu porque eles perceberam antecipadamente, devido ainda às capacidades psíquicas que ela demonstrara, que ela poderia ser um elo de contato com alguma alta civilização estelar. Na África do Sul, posteriormente, também o serviço secreto soviético seguia Elizabeth, tentando lhe extrair os segredos.
Em seu livro Beyond the Light Barrier, [10] ela conta como foi levada a visitar o planeta Meton, em Alfa Centauri, habitado por uma rica e avançada civilização, capaz de fazer saltos quase instantâneos de teletransporte de lá até aqui. A raça deles é do
tipo nórdico, de grande estatura e impressionante longevidade, e esteve presente em nosso sistema solar em outro ciclo. Klarer se envolveu amorosamente com um camarada chamado Eikon, que a visitara diversas vezes em sua fazenda na África do Sul, e teve com este um filho, o qual vive até hoje em Meton. Seus encontros foram registrados por muitas testemunhas ao longo dos anos, o que inclui a imprensa e a Força Aérea sul-africanas. Apesar de sua credibilidade, Klarer, que faleceu em 1993 aos 83 anos, foi retratada na revista Manchete com uma
ridícula reportagem em que ela aparece no meio do deserto como uma velha maluca, com o retrato de Eikon, onde a legenda dizia que ela "esperava a volta dele", o que não era verdadeiro: Eikon e o filho, Ayling, visitaram Klarer várias vezes, havendo sido prometido a ela uma nova vida em Meton, no sentido reencarnacional (sentido este que é adotado pelas diversas culturas humanas nos outros sistemas de que se tem notícia).
[6] Ver Gulliver, 1992, Livros 2, 3 e 4.
[7] Co-autoria com Desmond Leslie, Neville Spearman, London, 1953, 1970. Edição brasileira: Editora Globo, Porto Alegre, 1957
[8] Lou Zinsstag& Timothy Good, 1983, Ceti Publications, 247 High Street, Beckenham, Kent BR3 1AB, England. Quando um editor carioca escreveu para a editora inglesa, recebeu a estranha explicação de que Untold Story não estava “disponível para novas edições”.
Zinsstag, linguista suiça, sobrinha de Carl Gustav Jung, foi cooperadora da rede mundial de Adamski nos anos 50/60. Timothy Good, violino da Orquestra Sinfônica de Londres, um dos melhores pesquisadores civis no assunto, é autor do excelente Above Top Secret, 1987, Sidgwick and Jackson, London, com 440 páginas de análises e mais 100 cópias de documentos secretos, obtidos judicialmente, do Pentágono, CIA, NSA, NASA, USAF, etc, sobre os discos-voadores e o encobrimento oficial das informações.
[9] O repórter João Martins publicou na revista O Cruzeiro, ao longo de 1954, várias reportagens sobre Adamski e outras pessoas que, nos Estados Unidos e no Brasil, tiveram encontros com "extras"
humanos, tal como Adamski. Em 1955, num Congresso na California, ele fotografou uma mulher, de bela feição, suspeita de ser do grupo extraterreno ali em circulação. Estas reportagens estão publicadas em As Chaves do Mistério, João Martins, 1979, Hunos Editorial, R.J.. A foto da mulher é reproduzida em Sinais Estranhos, de Fernando C.N. Pereira, da mesma editora.
[10] Howard Timmins Publishers, Cape Town, 1980. Publicado na Alemanha pela Wenta Verlag, Wiesbaden. Ver também UFOS – Contatos Africanos, Cynthia Hind, Francisco Alves, R.J., 1987, caps. 3 e 4.
A narrativa do canadense Oscar Magocsi (com quem este articulista teve a oportunidade de se corresponder), é mais amena e está contata num livro de fácil acesso (vide [2]). É importante notar que Magocsi não modificou sua vida de técnico da TV CBS de Toronto depois que retornou de suas experiências com seres de alta evolução humana, nem se tornou guru, nem seus livros têm grande vendagem. Alguns de seus relatos são realmente incríveis, porém não diferem estruturalmente dos outros relatos (com experiências dimensionais ou transfísicas desse tipo).
A fase pré-etnográfica destas interações, entretanto, seria facilmente resolvida, na medida em que se fizesse a análise dos inumeráveis relatos de viajantes terrenos a outros mundos, ou de trocas de informações de pessoas daqui com visitantes, e se fizesse ressaltar os padrões de coerência, a estruturalidade destes relatos. Somente no Brasil, são muitos os exemplos conhecidos pelos pesquisadores civis (que se auto-denominam de maneira tão caricata como “ufólogos” – o termo impróprio derivando do deslumbramento pré-etnográfico no qual os visitantes são tratados como parte de um indeterminado “fenômeno-ufo”):
Artur Berlet, Dino Kraspedon, Antonio Rossi, Bianca, Carlos Paz Wells (peruano radicado em São Paulo, que descreve interações com visitantes provenientes dos satélites de Júpiter e de Alfa Centauri, assim como Kraspedon e Klarer), General Moacyr Uchoa (ex-professor da Academia das Agulhas Negras), Luiz Gonzaga Scortecci (espiritualista com formação científica, que dá boa interpretação de seus próprios contatos) e, como exemplo notável, o Juiz Freitas Guimarães, que foi Magistrado na Justiça do Trabalho, e era Professor de Direito na Universidade Católica de Santos em 1956, quando foi visitado na praia de São Sebastião e levado a um passeio na nave em que desceram, por dois tipos elegantes, telepatas, também nórdicos. Mesmo com toda sua credibilidade, e com um reconhecimento de seu contato por parte da FAB, o Juiz teve seus relatos desacreditados pelo grupo Time-Globo.
< 6 >
Todas essas etnografias ou relatos-de-viagem dão um mesmo quadro de
interpretação científica: a) Que o universo se organiza em outros padrões de energia física desconhecida, o que modifica nossa variável para a temporalidade; b) Que não apenas o universo físico se manifesta em vários planos, mas igualmente a vitalidade; c) Que esta vitalidade cósmica deu origem à forma humana de maneira mais pré-organizada e mais complexa que a de nosso modelo biológico; d) Que a raça humana da Terra é observada por outras raças aparentadas.
É assim que se expandem, uma vez mais, as nossas singelas e autoconfiantes fronteiras de aldeia medieval. Concomitante a isso, novas acomodações, rachamentos, na superfície de nosso antigo, já uma vez seguro, saudoso continente etnocêntrico.
< 1 >
Duas dificuldades filosóficas parecem marcar nossa contemporaneidade: a primeira, a disjunção entre sentido histórico e sentido estrutural; e a segunda, o estranhamento entre história e devir.
A melhor solução para a primeira dificuldade está provavelmente em que a história (a disciplina da História) seja dada exatamente como a análise, a avaliação, de como as estruturas são transpostas, transformadas, no tempo (segundo modelos teleológicos ou não).
Quanto ao devir, vale lembrar uma sentença de Nietzsche, citada por Gilles Deleuze em termos de que “nada importante se faz sem uma densa nuvem não histórica”. Segundo Deleuze, o devir inteiro de um acontecimento escapa
à história; a história é apenas o conjunto das condições quase negativas que possibilitam a experimentação de algo que a ela escapa. (Conversações, pág. 210) [1]
Há sem dúvida um devir super-potente que precede, de forma um tanto furiosa, a história e/ou a transposição das estruturas antropológicas, que é capaz de engolí-las por inteiro, ou espatifá-las. Em sequência ao devir antropológico, como um efeito deste, ou resposta natural, há ainda, sem dúvida um devir micro-físico, molecular, que resiste a todo enquadramento em termos de ciência, leis, normas...
[1] Editora 34, R.J., 1992
A despeito do valor dessas observações filosóficas, é preciso, entretanto, observar que:
1) Verifica-se uma capacidade de reaparecimento, permanência, regeneração, reatualização, por partes das gestalts, isto é, das estruturas de significação social, humana, antropológica. Exemplo disso é o reaparecimento das nações e conjuntos etno-linguísticos enquanto potências políticas, revolucionárias, militares, de fanatismo religioso, etc. Outro exemplo é a permanência do capitalismo enquanto a grande Gestalt, a infra-estrutura de nossos tempos, imponente usina-signo-mór. Um exemplo ainda, no interior desta mesma estrutura, o encastelamento e vitória tática permanente, por parte daqueles que compõem a figura do mundo financeiro, misteriosa gestalt & reprodução ainda mais perversa do ideal ascético.
2) O intempestivo como contra-efetuação, como diferencial que opera numa certa frequência, com seu desenvolvimento lateral em relação ao devir histórico, pode significar apenas operações de transição de uma estrutura (histórica) para outra. Se o intempestivo é um condutor que faz uma ligação instantânea entre a história e o devir, permitindo que elementos históricos possam “ascender” à sua condição no devir, é certo, igualmente, que a história, por seus próprios méritos e segundo seu
processo interno, pode igualmente “ascender” como um todo ao devir.
3) O devir cósmico nos atinge atravessando uma superfície antropológica, e é através dela também que impomos efeitos, ou recebemos respostas, em relação ao devir micro-físico natural, orgânico. Essa superfície é o acabamento, a “pele” das estruturas de significação e experiência formadas pelas sociedades humanas em diversas conjunturas.
< 2 >
Com todos os encerramentos” decretados da historicidade, ela está entre nós como sempre esteve, ainda que sob uma forma contemporânea bizarra, retorcida, mutilada, desertada. É o sentido da contemporaneidade que devemos buscar, de preferência a um sentido pós-moderno, ou intempestivo, ou saudosista do moderno, ou de futurismo meramente utópico. A história como as formas articuladas no tempo e na sociedade, dentro das quais os humanos se formulam, se expressam, se informam, de alguma maneira evoluem de fato em termos do que é ainda para nós a cultura, civilização, conhecimento, arte, etc.
O filósofo Gilles Deleuze é um exemplo em questão na medida em que a força de seu pensamento reside exatamente em sua inserção contemporânea, e não em seu pós-modernismo, ou em sua intempestividade, como se poderia supor. É incrível que se possa aprisionar em termos de modismo um autor que requer apenas que sua filosofia seja utilizada, processada, revirada, passada a diante. Foucault, que em outras questões filosóficas é bastante sóbrio, é responsável pelo clichê que faz de Deleuze o filósofo “do século” (“Talvez um dia o século seja deleuziano”). Mesmo aí, Foucault está deixando passar a historicidade, a secularidade de seu amigo filósofo (junto, é claro, com o sentido ambíguo em que, através de Deleuze, o século é exposto ao devir). Este último, por sua vez, é bastante explícito numa sentença, colhida talvez ao acaso, em que afirma: “Foucault sempre se serviu da história assim, ele viu nela um meio de não enlouquecer”... (Conversações, pág. 129)
As linhas de fuga em relação à estrutura, ao significante que nos é dado, as intervenções intempestivas, contudo, estão aí, não para convocar novas potências à historicidade, mas para fazê-la desaparecer, deixando orfãos. É assim que, da contracultura californiana dos anos 60, que com toda sua diferencialidade em relação à estrutura dominante, era muito mais capaz de regenerar a história, reinaugurá-la, do que poderia parecer a princípio (em contraste com o maio de 68 francês, por exemplo); é assim que do melting pot sintetizador dos 60, surgiram os movimentos que se pretendem meramente “alternativos” dos anos 70, que se propuseram a uma negação não apenas da cultura ocidental, mas de qualquer historicidade. Negação da proposta de que a liberdade seja resultado de uma articulação social (aquilo que a Esquerda ainda é, com todas suas derrotas), fuga da estrutura, afirmação de uma liberdade individualista histérica, estilos de amnésia e anti-sociabilidade, desperdício das possibilidades que seriam obtidas no processo de conhecimento histórico e articulação política – toda essa condição que se dá apenas como “posterior” à modernidade – uma certa nostalgia sem futuridade.
Duas outras modalidades de “fim” da história se apresentaram nos anos 80: a de retorno de messianismo bíblico e de “Juízo Final”, com todo o reaparelhamento dos dispositivos esotéricos do catolicismo medieval, o qual anuncia que toda a história seria apenas um teatro preparatório para o juízo disjuntivo de ressurreição ou condenação eternas (não nos enganemos a respeito da potência desse sentimento e desses dispositivos, junto às camadas populares evangélicas, mas também nas classes abastadas esotéricas); e uma outra modalidade, esta mais amena e ligadas aos movimentos “alternativos”, que é aquela do messianismo místico-holístico em moda, que anuncia o fim da história simplesmente, com a vigência de um estado paradisíaco na Terra, atemporal: todo o mito “aquariano”.
Esses processos todos, esquizo-paranóides, que permanecem doentios na medida em que recusam a estrutura e a historicidade, sem saírem delas de fato, sem serem capazes de dar nascimento a novas estruturas, convivem ainda com duas outras falsificações históricas: aquela que anuncia o fim da história em termos de uma vigência definitiva do modelo de iluminismo burguês – mas cuja avaliação filosófica se resume no fato de um recente proponente da tese ser filiado à Rand Corporation; e aquela outra que está na perspectiva do futurismo da science-fiction, que é, em termos gerais, com as devidas exceções de maladie esquizóide, não mais que a projeção do mesmo estrutural do séc. XX ao futuro.